A crise em que esta geração de estudantes universitários vive desde que se conhece, a pandemia, a guerra, a inflação galopante, atravessa todos os espetáculos desta edição do FATAL. É inevitável. Ela cria um redemoinho de normalização da decadência, de aceitação da precariedade, de atavismos, modorras, quarentenas, inações, que o teatro democrático deve questionar. Não é que o teatro resolva tudo, mas lá que os grupos universitários mostram no palco que estamos numa nova fase, mostram.
Há uma luz ao fundo do túnel.
O mal da juventude, descrito por Ferdinand Bruckner em 1926, é a sua transição no tempo e no espaço. Um tempo e espaço seguros, onde tudo ainda é possível e realizável, e outro tempo e espaço onde tudo passou a ser questionável, censurável e cruel.
Uma angústia existencial modelo de uma geração.
A geração dos que andam aos papéis, à procura do seu lugar, que desistem antes de tentar, que esperam gratificação imediata todos os dias, que se integram e se questionam, que não se integram, continua, neste tempo e espaço, a encontrar motivos para questionar, censurar.
O nosso tempo e o nosso espaço são, hoje em dia, tão dramáticos como na época em que o nazismo cresceu na Europa, e não é que estamos outra vez, menos de cem anos depois, “em guerra”? Podemos sempre comparar tempos e pessoas, e usar metáforas, novos mitos. Podemos sempre porque no teatro tudo é possível. Podemos sempre porque no teatro universitário ainda tudo é possível. O Teatro Universitário, livre das rédeas do comercialismo, da cultura popular, das flutuações do mercado, do like fácil, pode afirmar-se, ele sim, o verdadeiro teatro do pensamento, a Universidade e a Academia são os seus bastiões.
O teatro transporta consigo a herança da democracia, ambos nasceram ao mesmo tempo, ambos são filhos das mesmas Euménides de que Ésquilo nos falou. As Erínias (Fúrias) que passam a ser as benevolentes Euménides. Esses sentimentos humanos tornados deuses, aplacados para sempre no altar do tribunal popular. A trilogia de Ésquilo não é só a única trilogia completa que nos chegou, ela é também fundadora da civilização ocidental.
E no FATAL deste ano, estarão em cena ideias muito diferentes. Os grupos escolhidos para a categoria EM COMPETIÇÃO (TUP, NNT, GTL, GTIST, ARTEC, mISCuTEm), revelam todos um pensamento e uma relação profunda entre o texto e o palco. É o drama a nascer. O drama, como tempo e espaço de pensamento, da ação sem resposta racional. O drama como local onde a imaginação individual se encontra com a coletiva, com a posição do Outro. Esse sim, o verdadeiro local a habitar, o da personagem.
Os assuntos do dia, a inflação, o preço das casas, a individualização, vêm ao de cima como numa sessão terapêutica ou como num exorcismo. Há textos sobre a vida dos estudantes, há águas contaminadas com sedimentos, mitos shakesperianos, servidores de dois amos (quantos empregos temos?). Vimos também a representatividade e a diversidade como factor de ligação e não como divisão, através da integração de múltiplas sensibilidades, múltiplas cromaticidades, línguas e motricidades.
Tudo sinais de uma boa saúde mental. Tudo sinais de que ainda estamos todos a ser estudados, que nos mantemos todos em tratamento. Sinais que, esperamos, sejam importantes para as vidas dos que forem assistir aos espetáculos do FATAL deste ano.
“O primeiro passo para a cura é a aceitação da etimologia da própria palavra doença.”
Paula Garcia
Pedro Marques
Pedro Saavedra