Em Abril, a maioria dos grupos de teatro académico estuga o passo dos ensaios, enche depósitos, carrega no acelerador. O culminar de muitos meses de trabalho, muitas semanas de dedicação, muitas horas de reflexão será em Maio. Para alguns desses grupos, o FATAL será o momento em que serão confrontados com a exposição pública, o momento em que terão oportunidade de mostrar as suas inquietações, os seus sonhos, as suas propostas. O teatro cumprirá, para todos eles e para nós, aquilo a que sempre se propôs: dar a ver o que é um ser humano, tomar o pulso à sociedade que edificamos todos os dias.
E nos últimos 50 anos, o que construímos? Inevitavelmente, essa foi uma das perguntas que alguns grupos fizeram. A revolução de Abril foi tema omnipresente de muitas das propostas cénicas. Alguns escolheram o período ditatorial antes do 25 de Abril para falarem dos dias de hoje, pesquisaram, dramatizaram; outros escolheram o período da democracia para analisar o que vamos realizando. Outros ainda, olharam para a faixa de Gaza e para o conflito perene que vemos desenrolar-se diante dos nossos olhos todos os dias. O que é o terrorismo de Estado? O que é a resistência de um povo? O que podemos aprender com estas tragédias?
Há 25 séculos, sensivelmente, Ésquilo escrevia aquela que é considerada a primeira peça de teatro: os Persas. Um relato quase jornalístico de uma batalha recente, mas com uma importante diferença: a perspetiva do lado do povo derrotado. Ésquilo, também soldado grego dessa batalha, escreve uma tragédia onde tenta entender o que se passou na cabeça dos derrotados persas. Ésquilo percebeu, e desenvolveu mais tarde em Oresteia, que aquilo que precisamos para resolver conflitos é pormo-nos na cabeça do inimigo, experimentarmos a empatia, só isso nos torna humanos, o resto é a perpetuação da selvajaria.
É essa procura de sentido que os grupos de teatro académico trabalham diariamente.
Aprender a viver com o outro, onde é que ele acaba e eu começo? A juventude, cheia de esperanças e inexperiência, coloca perguntas em cima da mesa, faz nascer revoluções todos os dias. Cada um dos participantes nestes espetáculos carregará consigo o inefável brilho do instante teatral, o inexorável alcance da poesia cénica, o valor e o peso de cada palavra. Cada um deles aprenderá e mostrar-nos-á que o teatro não é só a festa dos sentidos e a alegria de estar vivo, como também o local onde todos fazem a revolução - e como as ditaduras sabem disso!
No concurso deste ano, a escolha dos grupos para o prémio FATAL foi particularmente difícil devido à melhoria geral da qualidade das propostas. Por isso, os grupos escolhidos para a categoria EM COMPETIÇÃO são desta vez 7: (NNT, CITAC, GTN, GTIST, mISCuTEm, GTL e TUP).
Em todos estes grupos, constatámos o sempre difícil equilíbrio entre poesia e política, delicadeza e urgência, dedicação e arrojo.
Em todos eles, o prazer pelo pormenor, a sabedoria de que cada presença, cada gesto, cada palavra, cada som, são tão importantes como cada respiração, cada silêncio, cada ausência.
Para além destes 7 grupos, muitos outros apresentarão os seus trabalhos no FATAL. O Festival de Teatro Académico de Lisboa não se esgota nos prémios que atribui; a nossa democracia de 50 anos precisa de teatro para florescer; a revolução de Abril festeja-se em Maio.
Viva o Teatro Académico.
Paula Garcia
Pedro Marques
Pedro Saavedra