HOMENAGEM

TUP - TEATRO UNIVERSITÁRIO DO PORTO

Pelos seus 75 anos de atividade ininterrupta, o FATAL homenageia o TUP. Uma existência que tem vindo a abraçar a modernidade, através de iniciativas que vão muito além do curso bianual de iniciação ao Teatro. O TUP é um exemplo de resistência, constante reinvenção e ligação à atualidade.



Do Teatro Clássico Universitário do Porto em 1948 ao Teatro Universitário do Porto aos dias de hoje

Foi com natural satisfação que recebi o convite para participar nesta homenagem ao Teatro Universitário do Porto pela comemoração dos seus 75 anos.

Entrei na faculdade com 16 anos e logo me inscrevi no então Teatro Clássico Universitário do Porto. Nesse tempo causou surpresa e admiração aparecer uma aluna que não era de medicina e vinha só! Pediram-me para ler um texto ou dizer algo que soubesse. Disse um texto da personagem que tinha interpretado na festa de finalistas do 7o ano do liceu. De imediato o então ensaiador Dr. Correia Alves pergunta:
- Está disponível no dia 11 de dezembro para o próximo espetáculo?
- Então fica com o papel de Carolina Kirby na “Feliz Viagem”
Era a uma peça de Thorton Wilder. Foi a primeira peça representada para além do reportório clássico seguido até então pelo grupo.

No dia 11 de dezembro de 1955 festejei os meus 17 anos com a minha estreia. Já lá vão quase 70 anos!

Conheci e convivi com aqueles que, em 13 de dezembro de 1948, o fundaram (data da sua primeira apresentação), tendo partilhado, contracenado e aprendido com todos. Ao rigor e á exigência que nessa altura se impunham, não eram estranhas as figuras dos Professores Catedráticos de Medicina Hernâni Monteiro, José Castro Correia e Nuno Grande, todos eles homens de grande cultura e saber, que levavam a sua dedicação ao ponto de na sua casa realizarem os ensaios à italiana, para treinar a dicção, entoação e interpretação.

O TCUP embora apoiado pelo Prof. Hernâni Monteiro não tinha uma estrutura organizativa sólida e o apoio à direção e encenação era frágil! Foi convidado o ator Abílio Alves para a primeira apresentação do Auto de Filodemo no teatro Rivoli em 13/12/1948, com grande sucesso segundo os jornais da época, mas sem grande continuidade. Depois sob a direção do Professor Hernâni Monteiro, o Prof. José Castro Correia, seu colaborador próximo, levou à cena o Auto dos Mistérios da Virgem, o Auto de Mofina Mendes, Todo Mundo e Ninguém de Gil Vicente, o Fidalgo Aprendiz de D. Francisco Manuel de Melo e ainda o Burlador de Sevilha de Tirso de Molina.

TUP em 2018

Em 1953/54 é convidado para encenador o Dr. José Correia Alves, antigo elemento do TEUC, e depois do TEP. É ele que vou encontrar em 1955 quando entro para o TCUP. Continuamos com algumas peças do antigo reportório, nomeadamente o Auto de Mofina Mendes e Todo Mundo e Ninguém, peças que perduram no nosso reportório a par de outras de autores mais modernos! O Prof. Hernâni era sempre presente em quase todos os nossos espetáculos, tinha sempre uma palavra carinhosa para nós, relacionada com o papel ou trabalho que desempenhávamos. Nessa altura eu interpretava a personagem de Mofina Mendes com uma cantiga no fim do Monólogo! Como a minha memória musical não é “famosa”, o que me levava a um momento de alguma tensão, o Prof. Hernâni vinha sempre falar comigo incentivando- me calma e confiança! Era este o ambiente de afetividade e empenho no trabalho que fazíamos, fossem atores, técnicos de montagem, guarda-roupa, luzes ou som, pois não havia vedetas. De tal maneira foi marcante esta vivência que todos sabíamos as peças de cor. Ainda hoje quando nos juntamos nos nossos almoços, utilizamos frases das peças quando se enquadram e encaixam nas conversas.

Conta o colega Francisco Santos (ilustre cirurgião) que uma vez num aeroporto estrangeiro pareceu-lhe ver o colega que interpretava a personagem de Paio Vaz. Então, em vez de o chamar pelo nome, lança-lhe a deixa: “Mofina Mendes é cá com um fato de gado meu?” que imediato ele respondeu. “Mofina Mendes ouvi eu pouco há no vale de João Viseu”.

“Mudam-se os tempos mudam-se as vontades” e as Instituições também e o TCUP deixa de estar vinculado ao Centro de Estudos Humanísticos e passa a desenvolver a sua atividade como as outras associações académicas independentes, passando a ser o Teatro Universitário do Porto (TUP). Esta nova situação em nada alterou a nossa relação com o Prof. H. Monteiro.

Percebendo a importância que tinha para o TUP a sua internacionalização, em 1960 desloca-se connosco ao X Festival Internacional de Teatro Universitário em Erlangen (Alemanha), onde é convidado para abrir a sessão inaugural. Realiza contactos para garantir a futura presença do TUP em tão importante e prestigiada manifestação de Teatro Universitário! É a nossa primeira Internacionalização fora da Península Ibérica! Voltámos lá passado quatro anos, em 1964, já dirigidos pelo Mestre António Pedro.

TUP em 2023

Não vou referir todas as atividades desenvolvidas e peças encenadas, mas não posso deixar de referir o trabalho que António Pedro realizou no TUP. Artista polifacetado, na pintura, no desenho, na cerâmica, na poesia, na literatura e como notável homem de teatro, no TUP organiza um curso de teatro interno e aberto à academia, com o patrocínio da Reitoria e da Fundação Gulbenkian. Desse curso resultou um livro considerado fundamental para qualquer um que se interesse pelas artes de palco - “O Manual de encenação”.

Em simultâneo, e como prática complementar desse curso foram encenados, os Autos de Gil Vicente em Teatro de Arena e a peça “Os Pássaros” de Aristófanes, que foi levada ao XI Festival de Erlangen em 1964.

Com os anos sessenta surgem as movimentações estudantis e as associações académicas passam a ter um papel relevante na movimentação da academia e na intervenção política em geral. O seu investimento na área cultural, leva o TUP a um roteiro de atividades teatrais mais condizentes com a ação de denúncia e protesto, com publicações mais ou menos contestatárias, realizando performances de intervenção quando não buscando estritamente o estético ou o artístico onde cada um se revê e inspira.

É nesta abertura, nesta variedade de ações, realizações e exercício de liberdade que se reconhece a riqueza de participar e pertencer ao Teatro Universitário do Porto. Outra faceta que gostaria de realçar é como a partir do TUP se formaram e formam diretores de grupos de Teatro Escolar e animadores sociais, desenvolvendo uma rede de grupos de atores, técnicos e animadores espalhados por muitos locais, que forçaram e levaram a instituir a criação de cursos e grupos de teatro que com certeza gostariam de se associar a nós nesta homenagem ao TUP. Não porque ele foi ou é só uma escola de teatro, mas porque é uma escola de vida, onde a ação cultural, sociopolítica, a aquisição de competências e de técnicas entrelaçadas pelo afeto permitem a cada um se elevar como cidadão no Teatro do Mundo!


O Teatro Universitário do Porto foi o meu berço teatral

E julgo que também para muitas outras pessoas, o TUP constituiu ao longo de décadas uma das pouquíssimas instituições dedicadas ao teatro que permitiu a prática desta arte na cidade do Porto.

Não sou capaz de nomear essas pessoas na totalidade nem o seu grau de intervenção, mas sei que todas contribuíram para a afirmação e consolidação do TUP e do teatro no país.

Ao longo dos seus veneráveis 75 anos de actividade contínua, renovando permanentemente os seus elementos, o TUP foi acompanhando as tendências que iam surgindo, e foi trabalhando e dando a conhecer escritas e estéticas inovadoras.

Não só foi capaz de manter essa atitude verdadeiramente cultural, construtiva e cosmopolita, como alimentou escolas de teatro que se estabeleceram no Porto nos anos 90, e também acolheu e colaborou com estruturas e companhias que a partir dessas escolas se formaram na cidade. Como foi o meu caso.

O carácter artístico e estético sempre experimental pautou o percurso do TUP e contribuiu para a formação de públicos diversificados: pessoas atentas a estruturas de programação que se revivificaram no Porto, como o Teatro Nacional São João ou o Rivoli, e das quais se tornaram frequentadores interessados, críticos e mais ou menos fiéis.

Para mim, não é possível considerar o percurso do TUP nas últimas décadas, sem valorizar a entrega generosa e abnegada de Eduardo Brandão, que tem sido um pilar – discreto, mas estruturante – do TUP nas muitas atribulações, dificuldades financeiras, mudanças de instalações e na preservação do espólio e do espírito de um colectivo como o TUP.

Pessoalmente, estou muito grata ao TUP por me ter proporcionado um primeiro contacto aliciante e aparentemente descomprometido com a prática teatral durante os meus verdes anos, o que me deu experiência, segurança e coragem para me tornar profissional.

A pensar nos próximos fazedores e espectadores de teatro, só desejo que venham mais 75.